Crianças no Campo de Refugiados Deheishe, em Belém, Palestina (MFV, 2007)
Mal havia chegado de dois meses mágicos no México, um deles pelo SYLE 2007, e já preparava a mochila a fim de partir de novo. O destino? Palestina. No dia de minha aterrissagem em terras brasileiras, recebi um e-mail encaminhado pela amiga Cláudia Chaves sobre um programa chamado Jornada pela Justiça, promovido por ONGs internacionais e apoiado pela ACM local, cujo objetivo é levar estrangeiros à região para visitas a lideranças locais e entidades promotoras de direitos humanos. Não tive dúvidas: preparei currículo e carta de motivação, passei pela entrevista e já estava em Cumbica novamente, com o passaporte nas mãos.
Meus 42 dias no Oriente Médio – 15 na Palestina (Cisjordânia), 25 em Israel e dois em Petra, na Jordânia – mudaram incrivelmente minha maneira de ver o mundo. A cada dia, experimentava uma aula de história na prática. Com cada pessoa que cruzava meu caminho, árabe ou israelense, eu aprendia algo novo, tinha uma perspectiva diferente sobre a realidade. Deparei-me com um conflito extremamente mais complexo e profundo do que a cobertura superficial e maniqueísta da mídia brasileira deixa transparecer (falo com propriedade, sou jornalista há dez anos). Deparei-me com violações dos direitos humanos, com um desrespeito a tratados internacionais, com mágoas antigas e doídas. Mas também encontrei muita generosidade e abertura, vida pulsante, sonhos e esperanças, gente que chora e que ri como nós choramos e rimos. Senti, de todos os lados, um anseio vibrante pela paz. Estive com anfitriões Servas em praticamente toda a viagem por Israel, que cruzei de Norte a Sul, provocando curiosidade: o que faz uma não-judia por aqui? Nos territórios palestinos, fui hospedada pela linda família do Naim em Hebron, cidade ao Sul em constante conflito por conta dos quatro (!) assentamentos judeus ultra-ortodoxos encravados na cidade. Só há duas famílias palestinas que pertencem ao Servas – mas o desejo do novo Secretário Nacional israelense, Haim Murik, de Haifa, é aumentar esse número.
Haim é um sonhador. Casado com a brasileira Lisete e com três filhos lindos, ele sabe que a “ignorância sobre o outro” – ou seja, o parco contato entre israelenses e palestinos, que se dá basicamente nos check-points – também é pólvora para o conflito. Haim imagina um SYLE entre jovens israelenses e palestinos. Quem sabe possa ser uma semente para a paz que pede urgentemente para brotar na região. Em maio deste ano, Israel comemora 60 anos de existência como Estado. E os palestinos relembram a Nakba (catástrofe). George W. Bush planeja voltar à região, como uma tentativa política de salvar seu governo se conquistar um acordo de paz viável e concreto. O Hezbollah promete não dar sossego aos israelenses. O Hamas segue desafiando a Autoridade Palestina, enquanto o povo em Gaza e também na Cisjordânia sofre com o boicote econômico perpetrado por Israel e pela construção dos muros ao redor das cidades palestinas, formando novos guetos, os guetos do século 21. Há saída?, me pergunto. Há saída?, perguntavam-se, entre a resignação e a fé, membros Servas e conhecidos dos dois lados.
A vivência no Oriente Médio me rendeu muitas amizades, grandes descobertas e belos relatos. Ajudou-me, inclusive, na definição de meus próximos passos. Embaixo desses conflitos todos, há uma história humana que luta para sobreviver e vir à tona. E é atrás dessa história, atrás dessa gente que as notícias não contemplam e de quem os governos esquecem, que quero ir. Destinos: países marcados pelo conflito. Palestina uma vez mais, Bósnia, Kosovo... Como disse o poeta Ferreira Gullar, “só é justo cantar se nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não têm voz.” Em fins de abril ou começo de maio, estarei de novo em Cumbica, passaporte na mão, para nova jornada. Desta vez mais longa, mas igualmente pulsante.
Por Maria Fernanda Vomero, Servas-SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário